a biblioteca

“A ordem das coisas significa conhecer a posição dos objetos no ambiente, lembrar-se do lugar onde cada um deles se encontra, ou seja, orientar-se no ambiente e dominá-lo em todos os detalhes. O ambiente pertencente ou dominado pelo espírito é aquele que se conhece, aquele onde é possível movimentar-se de olhos fechados e ter à mão tudo o que nos cerca: é um local necessário à tranquilidade e felicidade da vida.  (…) Tudo isso demonstra que a natureza insere na criança a sensibilidade à ordem, como consequência de um sentido interior que não é a distinção entre as coisas, mas a identificação das relações entre as coisas – e, por isso, unifica o ambiente num todo cujas partes são independentes entre si. Tal ambiente, conhecido em seu todo, possibilita a orientação para movimentar-se e alcançar objetivos.”

(trecho do livro A Criança, de Maria Montessori)

Desde que a Manu começou a se interessar efetivamente por livros, conseguindo segurá-los por si só e podendo se locomover até eles, eu queria montar um espaço para deixá-los à disposição e fazer um cantinho para leitura. A questão não era simplesmente montar uma pequena biblioteca, mas organizar as coisas de um jeito que lhe fosse completamente acessível e onde ela tivesse completa autonomia para utilizar aquele espaço. Para que isso fosse possível, os livros tinham que estar expostos frontalmente, assim ela poderia ver a capa e escolher o livro que ela quisesse, além de estar numa altura onde ela pudesse pegar os livros sozinha. Também era importante que esse fosse um espaço bem delimitado, para que ela pudesse reconhecer aquele cantinho como uma espaço de leitura, ajudando-a a se organizar espacialmente.

Antes os livros estavam todos numa caixa de vime em cima da bancada que fizemos pra ela em seu quarto e ela pegava os livros sozinha e vinha sentar no meu colo para lermos juntas, mas a escolha dos livros ficava limitada, já que ela só conseguia ver a lombada deles. Sem falar na questão da organização: ela na maior parte das vezes devolvia o livro para a caixa, mas muitas vezes eles acabavam ficando espalhados.

Depois de pesquisar vários tipos de estantes, optamos por essa que é basicamente feita de ripas de madeira, tinta, corda e ganchos de parafuso. Escolhemos uma parede livre no escritório daqui de casa, onde também estão os nossos livros, pelos quais eu espero que um dia ela também se interesse. O escritório fica no hall em frente ao quarto dela, então a parede com os livros acabou ficando bem em frente à porta, permitindo acesso livre entre o quarto e a biblioteca.

Para fazer a estante usamos 3 ripas de madeira em formato de “L” (que na verdade eram ripas retangulares que foram transformadas em um “L”) com 3 cm de largura e 180 cm de comprimento, parafusadas na parede, a uma distância de uns 25 cm entre elas. Para segurar os livros que seriam apoiados nas ripas passamos uma corda na metade da altura livre de cada fileira: parafusamos 3 ganchinhos em cada fileira. Para demarcar a área da “estante” pintamos a parede com tinta esmalte alto brilho, num retângulo de 190 x 100 cm. Aí foi só esperar a tinta secar bem e passar a corda pelos ganchinhos, tensionando bem a mesma e arrematando com um nó em cada extremidade.

No fim das contas, ficou assim:

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o quintal

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Não sei se é o excesso de energia da Manu ou a minha que anda meio baixa e os hormônios muito loucos. Não sei se foi a diminuída no ritmo das nossas viagens acampando. Não sei se é o efeito que o sol e o cheiro do calor tem em mim. Não sei… eu ando não sabendo tanta coisa.

A verdade é que tenho me sentido meio presa… presa nessa cidade cinza, onde o cheiro que os (poucos) pingos de chuva levantam são de poeira e não de terra.

Meu pequeno quintal tem parecido ainda menor. Meu quintal, tão desejado pela gente, onde um dia houve uma edícula e nenhum sol. Meu pequeno quintal, que tem grama, pé de acerola, pé de limão, pé de jabuticaba, pé de maracujá e pé de pinhão, e não tem nem dez metros quadrados de terra meu quintal. Tem pé mas não tem fruta, talvez porque tenha mais sombra do que sol. Quer dizer, tem banana e mamão, pros sabiás, bem-te-vis, bananinhas, maritacas, sanhaços, beija-flores e até rolinhas, nossos amigos pássaros e seus filhotes que vivem aqui e vivem lá. Também tem um laguinho, meu quintal. E tem peixinho, que se reproduz e que novos peixinhos nascem. Tem planta que hoje é adulta e que veio pra cá filhote, trazida de outros lugares. Tem mais de vinte espécies de orquídeas, as flores que minha mãe amava. Tem vaso com pé de abacate, que nasceu da semente do abacate que a Manu comeu, quando começou a se aventurar pelo mundo dos sabores. Tem de uva também. Tem temperos que mudam sempre de lugar, na tentativa de fazer uma horta vingar. Cinco anos aqui e esse negócio de horta ainda é um desafio.

Tudo isso pra dizer que eu amo meu quintal, mas ele tem estado pequeno pro meu estado de espírito. A Manu adora o quintal, chora quando a porta está fechada e ela só acessa ele pelo olhar através do vidro. Ela gosta de puxar as folhas da lavanda e depois cheirar, fazendo “huuuum”. Gosta de pegar a terra e sentir escapando pelos dedos pequeninos. E gosta, principalmente, de bater a mão na água, de colocar o pé na água. Ô menina pra gostar de água! Os peixinhos nem ligam, enquanto ela bate sua mãozinha eles ficam todos ao redor… vai ver gostam de bagunça também.

Acho que no fundo ela sabe que o mundo não é só o quintal. Que na verdade o mundo é que é o quintal dela.

Pra encerrar, um trecho de Maria Montessori, pra gente manter sempre em mente e nunca esquecer:

“A criança tem uma relação com o meio ambiente diferente da nossa. Os adultos admiram seu meio ambiente; são capazes de se lembrar dele e pensar nele; mas a criança o absorve. As coisas que ela vê não são apenas lembranças; elas formam parte de sua alma. Elas incorporam todo o mundo que seus olhos veem e que seus ouvidos escutam. Em nós, as mesmas coisas não produzem mudanças, mas a criança é transformada por elas.”001 002 003 004 005

 

o mundo dela

gotas

Quando a Manu ainda era só uma idéia, eu vi uma vez uma reportagem na tv falando sobre bebês sem berço. Falava-se sobre a questão de dar liberdade ao bebê, que poderia, quando acordasse, sair da sua cama e fazer aquilo que ele quisesse, brincar com o brinquedo que ele escolhesse, e também voltar a dormir depois disso, se assim ele desejasse. E aquilo pra mim fez todo o sentido. Aquela idéia ficou lá guardada, esperando o dia em que eu precisasse colocá-la em prática. E daí que antes mesmo de engravidar, os quartos montessorianos entraram em pauta, ela colocou em prática na sua casa, outros links me levaram a ela, e por fim cheguei a ele. Depois de muito ler, estudar, vi que aquele colchão no chão realmente fazia sentido pra mim. Já faz um tempo que eu tenho tentado viver fora do automático (veja bem, tentado, porque nem sempre eu consigo). E para isso acontecer, as coisas precisam fazer sentido, sabe? No coração e na cabeça. As minha escolhas tem que ser uma escolha, tem que fazer sentido, não importa se ela é igual ao que todo mundo faz ou se ela é diferente do que todo mundo faz, desde que ela faça SEN-TI-DO. Porque depois que faz sentido, se pelo caminho algo der errado, fica mais fácil de aceitar, mais fácil de arrumar, e eu não vou precisar procurar alguém pra colocar a culpa, o que me poupa um bocado de energia.

Bom, tudo isso pra dizer que Manu sempre foi um bebê sem berço. Optamos (eu e o Marcos, juntos) por fazer um quarto que seguisse os preceitos da Maria. A gente na verdade não gosta muito desse negócio que colocaram na cabeça das pessoas de enxoval de bebê, por motivos mil. E nós gostamos de colocar a mão na massa. Se der pra gente fazer, a gente faz. Então tá, vamos lá. Precisávamos de um colchão, um colchão que fosse adequado para um bebê, mas que também servisse pra quando ela estivesse maiorzinha. Se o prazo de validade de um colchão é de 5 anos, ele teria que ser útil pelo menos por esse período. Compramos um colchão de solteiro densidade 23. Para o colchão não ficar direto no chão, para evitar friagem e para o colchão respirar, o Marcos fez uma base de mdf que ficou uns 2 cm afastada do chão, com uma borda que serve pra manter o colchão no lugar. Basicamente, o que a Manu precisava era isso. Mas a vida não se faz só de necessidade, também precisa de beleza, de carinho, de cor… Pintamos as paredes de branco, porque eu queria poder ter as cores que quiséssemos no resto. Ai eu tinha que escolher um tecido, porque fizemos um acolchoado na lateral do colchão. Demorou até achar um tecido que não tivesse tema, mas que tivesse cores. Encontramos o tecido, e com ele fizemos as laterais acolchoadas com mdf + espuma do meu antigo colchão de solteiro. Também fiz um futon para colocar ao lado do colchão e ajudar a amortecer quando ela começasse a fazer as travessias colchão-chão e um rolo de espuma, para limitar o espaço quando isso fosse necessário. Tudo feito por nós, hand made total. Então, basicamente o colchão de solteiro ficou dividido em dois espaços: o espaço de dormir (com os acolchoados na parede) e o espaço de brincar. No espaço de brincar colamos um espelho de acrílico na parede e penduramos no teto um gancho onde colocamos uma fita de cetim com uma argola na ponta, que seria o suporte para os móbiles. E assim o cantinho da Manu ficou pronto.

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No resto do quarto colocamos uma cômoda (já que neste quarto não temos guarda-roupa), uma poltrona e um baú. Um tapete antigo que foi feito pela avó do Marcos e um outro tapete em lã de carneiro (eu quando criança sempre tive tapete de lã de carneiro no quarto, e isso faz parte da minha história, ele me remete a ótimas lembranças… queria que a Manu também tivesse o dela). Os tapetes não são apenas decorativos, eles fazem parte do processo de exploração do espaço e a Manu realmente interage com eles. Eles delimitam espaços e tem texturas e cores diferentes para serem explorados.

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Hoje, com a Manu com 9 meses, tenho absoluta certeza que essa foi a melhor escolha que fizemos para o quarto dela, levando em conta o tipo de vida que nós levamos e o tipo de criação que temos procurado praticar. É muito legal ver o ambiente evoluindo junto com ela. A poltrona já saiu de cena e se mudou para o meu quarto. Os móbiles também já não tem mais audiência, mas foram MUITO importantes para o seu desenvolvimento quando ela era bebezinha e ficava um bom tempo olhando para eles. Também foram os móbiles que ensinaram a ela os primeiros movimentos voluntários com as mãos e pés. E o espelho, esse continua lá, e arrisco dizer que é a grande estrela do quarto dela. Ela se olha no espelho desde muito cedo, interage com ele, interage com a gente através dele. Bate, encosta, lambe, sorri. Aliás, sorri sempre que se depara com qualquer espelho. Espelho é sinônimo de diversão garantida.

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E agora, como ela tem autonomia de movimento, o espaço vai ganhando altura para ela, e ela começa a explorar as outras coisas. Descobriu os quadros nas paredes, as gotas de cor que ficam na parede da cama, o móbile de passarinhos do teto, se apoia na cômoda e no baú para ficar em pé. E o mais importante: ali ela é livre, ELA quem escolhe com o que e em que parte do quarto quer brincar. E ela entra e sai do seu quarto a hora que bem entender, o que é fundamental. Eu credito a essa construção do espaço muito do desenvolvimento dela. Um bebê precisa de pouco para se desenvolver, acredito inclusive que o pouco é fundamental e que o muito atrapalha. Um bebê precisa de espaço, para que possa ter liberdade de movimento. Ele precisa ter amplitude no seu campo visual, para que a vida e a curiosidade que lhe despertam não sejam contidas por barreiras físicas. Ele precisa de autonomia para seguir a sua própria natureza. Ele precisa experimentar através de si mesmo.

Eu tenho buscado interferir e direcionar o mínimo possível. Não acho que meu papel tenha que ser de guia, acho que esse é o papel dela, que vai ME guiar para que eu possa acompanhá-la em sua jornada de descobrimento da vida. O meu papel é de proporcionar um ambiente seguro, para que ela saiba que cair faz parte e que levantar também, sem que isso provoque grande estragos. Estou contente no papel de espectadora, vendo o milagre da vida acontecer todos os dias, invariavelmente, bem embaixo do meu nariz.

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