nossa primeira grande viagem

A VOCÊ, COM AMOR (Vinícius de Moraes)
O amor é o murmúrio da terra
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia…
O ridente abandono,
a rútila alegria
dos lábios, da fonte
e da onda que arremete
do mar…

O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda…

E a música inaudível…

O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que freme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar…

O amor é Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris.

……

Manu, meu amor… eu já comecei a escrever esse relato na minha cabeça um sem número de vezes. 100 número de vezes? Tranquilamente foram mais que 100 vezes, porque construo E desconstruo ele um pouquinho quase todas as noites desde que você nasceu. Mas como fazer a cabeça traduzir em palavras algo que aconteceu em cada célula do meu corpo, em toda a eternidade do meu coração e da minha alma? Como traduzir aquilo que foi puro sentimento, sensação, instinto, calor queimando? Não sei… raios, não sei como fazer isso! Eu já não sei mais fazer tantas coisas, apesar de agora saber fazer tantas outras! A verdade é que há quase um ano eu vivo em um tempo fora do tempo, um tempo nosso, que corre do nosso jeito. Um tempo de sentidos, desprovido de razão. Um tempo de cheiro, de toque, de gosto. Um tempo…

Vou tentar começar do começo…

Nós descobrimos que você já estava do lado de cá desse mundo no dia 24 de dezembro (2012). O meu corpo sabia desde o dia que você aterrissou no meu útero, a minha cabeça não. {Abro um parênteses aqui pra te dizer, filha: o nosso corpo SABE. Ele sabe tudo, ele contém as respostas para todos os enigmas do Universo. Quando a gente se sintoniza com ele, tudo funciona, a gente usufrui de toda essa sabedoria. Se a gente não sintoniza, ele, o corpo, se vira como pode e realiza o que consegue dentro das limitações que a nossa cabeça o impõe. Para descobrir que estava grávida, meu corpo teve que se virar e pedir ajuda ao acaso. Mas para você nascer, eu deixei ele agir, não impedi… e foi lindo. Mas isso eu conto mais pra frente.} Eu andava cansada, a vida tava corrida, nós planejávamos uma longa viagem de carro pelo nordeste… e com isso eu não fui percebendo que a vida também começava sua corrida bem ali no meu ventre, mas o meu coração e os meus sentidos sabiam. No trânsito indo pro trabalho eu anotava em um bloquinho as músicas que eu ouvia no rádio que eu gostaria de ouvir quando estivesse grávida. Eu imaginava nomes de menina para minha filha. Eu tinha sono, um sono que eu nunca havia sentindo antes, mas achava que era cansaço. Eu tinha enjoos, mas achava que era a gastrite. Meus seios doíam, mas achava que eram os hormônios ficando malucos. Teve um dia que o carro parou no meio da 9 de julho e não quis sair de lá. Eu fiquei desesperada, chorei, tremi. E pensei: “imagina se eu estivesse grávida?” Eu ESTAVA grávida! Mas voltando… nós descobrimos que você já estava aqui no dia 24 de dezembro, na hora do almoço. Eu estava fazendo as sobremesas para o natal, seu pai levando o carro no mecânico, as malas, o outro carro e o trailer carregados e prontos para a nossa viagem, e nada da menstruação descer. Já estava atrasada mais de uma semana. Eu achei que fosse cansaço, sei lá, mesmo que aquilo nunca tivesse acontecido. Liguei pro seu pai e pedi pra ele trazer um teste de farmácia. Essa técnica era infalível, era fazer um teste de gravidez pra menstruação que não descia descer. Ele trouxe e saiu, já que eu tinha falado que não ia fazer naquela hora mesmo, porque precisava esperar um tempo para o xixi ficar mais concentrado. Mas passaram uns minutos e eu fui lá e fiz. Li a bula, olhei o teste… 2 risquinhos… acho que esse teste está com defeito! Mas ai a ficha foi caindo e eu fui ficando desesperada, e confusa… Liguei pro seu pai chorando, pedi para ele trazer mais testes. E ele chegou calmo e com o sorriso mais lindo que eu já vi em toda a minha vida. E eu chorava, eu tremia. Eu fiz 7 testes de gravidez! Eu chorei por 7 dias! O quanto eu te desejei, o quanto eu esperei por você! E me dei conta que eu estava com medo, com muito medo! Medo de não dar conta, medo do medo. O pavor passou, eu chorei ele todinho. Não fizemos a viagem, eu estava com muito enjoo para tanto tempo de estrada, preferimos fazê-la com você aqui do lado de fora. Como era final de ano, não conseguimos consulta para aqueles dias. Passamos as festas, viajamos para perto, e só no dia 15 de janeiro (2013) é que fizemos o primeiro ultrassom e confirmamos o que já era certo: você estava aqui, coração pulsante, forte, determinado.

A primeira consulta que fizemos foi com a ginecologista do convênio com quem eu me consultava. Mas já fazia tempo que eu sabia que não seria ela a médica que me acompanharia na minha gestação. Eu nunca falei sobre partos com ela, e nem precisaria, porque eu já sabia que com ela não teríamos um parto que respeitasse nosso tempo. Veja, quando um médico tem uma sala de espera lotada e o horário da sua consulta atrasa no mínimo 3 horas, qual o tipo de atendimento que se esperaria para um parto? Só passamos com ela mais para pegar guias de exames e adiantar as coisas. Só fomos passar pela consulta com a primeira médica que poderia nos acompanhar nessa jornada no dia 6 de março, já estávamos com 16 semanas. Essa médica é excelente, e com certeza teríamos um parto cheio de respeito e carinho com ela. Mas o meu convênio só cobria os hospitais menos humanizados da cidade, e ela não poderia nos acompanhar nesses hospitais. A partir disso, comecei uma batalha, interna e externa. Nos dois anos que eu vinha lendo e estudando sobre parto natural, humanizado, em nenhum momento eu havia me deparado com as questões da maternidade. Afinal, eu estudava sobre fisiologia do parto, sobre capacidade da mãe de parir e do bebê de nascer, estudava as evidências científicas. Mas ignorei o papel que o sistema tem no quadro atual do nascimento no Brasil, principalmente na cidade de São Paulo, onde as taxas de cesarianas das maternidades particulares ultrapassam os 90%. Eu sabia que não teria um parto normal com qualquer médico, mas não havia me detido que também não o teria em qualquer maternidade, que essas também são co-responsáveis pelo alto índice de cesarianas e por diversos tipos de violência obstétrica. E ai eu comecei a tentar a portabilidade do meu plano de saúde, para que tivesse direito a um hospital que fosse “menos” pior (porque não há um hospital decente mesmo, filha). Não consegui. Cogitei pagar à parte a maternidade, mas desisti quando percebi o tamanho dessa loucura. Com isso, a primeira médica não seria mais possível. Então no dia 2 de abril fomos conhecer aquela que seria a médica que nos acompanharia até o fim. Ela nos acolheu, nos acalmou, nos instruiu. Saímos de lá com várias folhas de receituário. Nas folhas, no lugar de medicamentos, haviam nomes de livros, de filmes. Remédios pra alma, fortalecedores da calma, instigadores da coragem. Porque uma gestante não é uma pessoa doente; é uma vida gerando outra vida. Decidimos então escolher nossas batalhas e encarar a maternidade que o plano cobria. Ir para qualquer uma dessas maternidades sem contar com uma equipe que esteja disposta a bancar um nascimento humanizado é loucura. Não existe parto natural humanizado nessas maternidades, como não existe sorte nesses lugares. Se você ficar na mão deles, você automaticamente está aceitando todo um pacote de intervenções que nós não aceitaríamos. Então nos cercamos de pessoas que estavam dispostas a nos acompanhar e, mais que isso, a serem nossas guardiãs. No final de junho conhecemos a nossa doula querida e uns dias depois conversei com a pediatra neonatologista… pronto, nossa rede de apoio foi tecida. Essa questão da maternidade me roubou um tantão de calma, me afligiu bastante. Desde sempre eu dizia que teria meus filhos em casa, eu sempre tive horror a hospitais. Mas ai eu engravidei e fui tomada pelo medo, aquele velho conhecido que tantas vezes já me assombrou. Eu tinha medo de morrer e de deixar você e seu pai sozinhos. E foi esse medo que me levou ao hospital. Hoje eu vejo os perigos que esse medo nos fez correr… estar em um hospital em uma gestação de baixo risco é muito perigoso… qualquer deslize e eles te roubam o parto, te roubam diversos direitos que deveriam ser “inroubáveis”. Mas deixemos o medo pra lá.

Quando estávamos entrando na 36º semana, fomos em uma consulta com a médica e eu falei dos incômodos que vinha sentindo para fazer os exercícios com o epi-no, que muitas vezes nem conseguia fazer porque era como se o balão estivesse encostando em alguma coisa. E então foi feito um exame de toque e sua cabeça já estava bem baixa, 1,5cm de dilatação e colo do útero macio. Eu fiquei desesperada, entrei em pânico frente à possibilidade de você nascer antes da hora. Eu passei a gestação inteira me preparando para esperar 42 semanas, já que geralmente os bebês sempre passam das 40 semanas (quando sua hora é respeitada, o que geralmente não acontece). A médica sugeriu que eu fizesse repouso por uma semana, para ficarmos tranquilos e entrarmos na 37º semana. Mas o meu medo que você nascesse antes era tanto que a partir daquele dia eu parei de trabalhar e passei a ficar o dia todo deitada, para que nenhuma pressão ou a força da gravidade te empurrasse para baixo!  Para mim 37 semanas ainda era muito pouco, eu queria você crescendo tudo o que você precisasse ali dentro da minha barriga. Aos poucos, com o passar dos dias, fui me acalmando e me entreguei, me entreguei àquela espera. Eu era a própria espera, eu era só espera. A lembrança que eu tenho desses últimos dias é uma lembrança de vazio, como se eu estivesse me esvaziando. O que eu lembro da vida naqueles dias é um papel em tom pastel banhado pela luz do sol do fim do inverno. A vida era o céu azul.

Eu tive dois medos (além dos medos meus) que o desconhecido da gravidez me trouxe. O primeiro era o medo da dor. Eu não suporto dor, dor de machucado, dor de doença. Não adianta, não sei lidar com ela. Então eu tinha medo da dor do parto que tão maldizem por ai. Mas ai eu fui lendo, fui estudando, e vi que talvez essa dor não fosse assim tão cruel. E comecei a relativizar… com a dor de cabeça que é insuportável, mas não me mata; com a dor da saudade, que dói mais que tudo e para qual não tem remédio; com a dor de ter perdido quem mais se amava e nada ter podido fazer. E ai que a dor não me assustou mais. Aquela dor, se ela viesse, não iria me matar. Ela teria começo, meio e fim. E eu teria apoio e proteção para lidar com ela. E ela me traria o maior presente do mundo. E assim, fácil, eu me livrei do medo da dor. O segundo medo era de não saber quando eu entrasse em trabalho de parto. E foi assim….

Dia 20/08/2013, 23:30h. Eu acordo engasgada com refluxo, olho no relógio, olho para dentro de mim… Olho pra dentro de mim pela última vez… alguma coisa acontecia ali… leve, indolor. Voltei a dormir. Minha cabeça não percebeu, mas o meu corpo me acordou pra me dizer que você estava a caminho. Era a primeira noite de lua cheia.

Dia 21/08/2013, entramos na 39ª semana. Acordei umas 6:30h, como de costume. Fui ao banheiro, tinha um micro pingo de sangue na calcinha. Sentia cólicas leves, bem leves mesmo. Voltei pra cama, falei com o seu pai que eu achava que o dia tinha chegado. Ficamos os dois deitados na cama, num misto de alegria e abobamento! Eu não sentia dor nenhuma, as cólicas eram muito leves e eram a única coisa que fazia com que aquelas contrações fossem diferentes das contrações de treinamento já tão conhecidas da gente. Seu pai disse que não ia sair pra trabalhar então, e ficamos um pouco mais na cama. Mas tudo estava tão tranquilo, e na minha cabeça as coisas ainda iriam demorar bastante. Falei pra ele pelo menos levar as coisas que ele tinha que levar para a obra que ele estava fazendo do outro lado da cidade, porque não saberíamos quando ele poderia levá-las depois. Ele titubeou, ficou na dúvida, mas eu acabei convencendo-o a ir, afinal…

Descemos, tomamos nosso café da manhã, e ele saiu umas 8:30h. Eu voltei pra cama. Foi só ele sair que as contrações começaram a ganhar ritmo e intensidade. Intensas, mas suportáveis. Eu estava adorando aquilo tudo, aquele processo todo. Era um momento nosso, filha, só nosso. A contração vinha, eu respirava, te sentia, e a dor passava. Resolvi começar a anotar, mas sozinha a única coisa que eu conseguia anotar era quando uma contração começava. Não tinha controle nenhum do quanto elas duravam. Eu não tinha mais controle…

9:27h

33

37

43

48

55

57

10:01

04

06

11

16

23

29

33

36

42

48

53

55

11:02

banho

 

A verdade é essa. Desde que as contrações começaram, eu abri mão do controle ou o controle abriu mão de mim. Quando elas começaram mesmo a ter força, eu parava quando elas vinham, respirava com a barriga, e voltava a fazer outra coisa. Resolvi tirar o plástico do seu colchão, que fica no chão. Quase não consegui. Voltei pro nosso quarto, cortinas fechadas filtrando o sol que brilhava quente lá fora, a despeito do dia de inverno. Sentei na bola, apoiei na cama, e chorei. Não chorei de dor, nem de medo. Não havia dor nem medo. Havia força dentro de mim, o meu corpo era a própria força. Eu que adoro o silêncio e que me achava incapaz de vocalizar no parto, me soltei. Não gritei, porque os sons que a gente solta em trabalho de parto não são gritos. Novamente, esses sons eram força. É o ar em forma de força que a gente libera do pulmão, da barriga, da alma, e que passa pela garganta vibrando. Vibrando! Eu chorava de saudades da minha mãe. Era como se eu me tornasse ela, me tornasse eu, me tornasse você. E eu senti ela chegar, você sentiu. A partir daquele momento ela esteve o tempo todo conosco. Coloquei no pescoço a correntinha com a medalha de Nossa Senhora que era dela e liguei para o seu pai, pra ele se apressar porque eu precisava dele. Vejo claramente o quanto foi importante para mim ter ficado esse tempo sozinha, para que eu pudesse me conectar comigo mesma, para que a força viesse e eu não colocasse nenhuma barreira, nenhum pudor entre ela e nós. Seu pai ainda demorou um pouco por conta do trânsito, e do trânsito mesmo ligou para a nossa doula querida, que chegou em casa alguns minutos depois que ele. Quando ele chegou o mundo já estava esfumaçado e eu inebriada. O meu corpo era pura força, e eu achava que não iria aguentar. Fui pro chuveiro para ver se passava, mas eu não consegui relaxar. Eu não queria relaxar, eu queria te ver. A Celine chegou e quando me viu, achou que devíamos ir já para a maternidade. E fomos. Devia ser quase meio dia, o sol e o trânsito a pino. Seu pai dirigindo e ela no banco de trás comigo. Eu sentia calor, sede, sede, sede e força. Ficava de joelhos abraçada ao banco enquanto ela passava a mão nas minhas costas. Eu só lembro que de repente me batia um enorme cansaço e eu precisava deitar. Seu pai jogou o banco dele todo pra frente e ela se sentou no chão do carro. Eu deitava, mas deitada era pior. Ai eu levantava de novo. Sede, sede, sede. Força, força, força. Força é contração, não era vontade de fazer força. Força era o que eu sentia a cada contração, não era dor, era uma força gigantesca. Assim chegamos à maternidade, mais de uma hora depois, nesse sobe desce, deita e levanta, de sede e força. Paramos o carro no estacionamento errado, que ficava ao lado da maternidade. Vamos a pé mesmo. Contração no meio da rua, para, agacha, inspira-respira, continua. Chega na porta da maternidade, segurança do lado, outra contração. Agacha, fica de quatro na porta da maternidade, inspira-respira. O segurança oferece uma cadeira, não, vou andando.

E ai chega a parte chata da história, quando o sistema começa a te agredir. A tal maternidade que não faz parto normal, morre de medo de mulher parindo. Mulher vibrando agachada no meio da recepção não é o tipo de espetáculo que eles querem apresentar a seus clientes. Eles ficam em pânico, me levam pra sala de triagem. So-zi-nha. Não deixaram seu pai nem a Celine entrar. Eu ouvia a voz da Celine pedindo pra entrar e eles não deixando. A sala era minúscula e tinha um monte de gente lá dentro. Devia ter umas 5 ou 6 pessoas. Eu entrei, andando, pedindo pra ir ao banheiro. A enfermeira não queria deixar, mas eu insisti. Ela perguntou o que eu queria fazer, eu disse que não sabia. Ela ficou do meu lado e falou que eu não poderia fazer força. Ai eu tirei a calcinha, que a essa altura era puro sangue, e ela ficou em pânico. Fiz só xixi e me deitaram na maca. Deitar dói, lembra? Mas sabe o que dói mais? Quando você se deita, você se fragiliza e eles se sentem poderosos. Ai mandaram eu tirar brincos e a corrente com a medalha da sua avó. Eu me recusei, mas cedi. Isso também doeu. Ai veio o médico fazer o exame de toque, e doeu de novo. Doeu porque exames de toque geralmente doem. Doeu muito mais porque ele não esperou a contração passar para fazê-lo. Doeu porque ele continuou com as mãos lá mesmo depois de ter gritado, em pânico e para pânico geral, “dilatação total”. E eu gritei para ele tirar as mãos de lá. Eu era a própria força, lembra? Ele tirou na hora. Me transferiram de maca, me cobriram com um lençol às pressas e começaram a minha transferência para a LDR (labor delivery room), que também doeu. Eu cheguei lá sozinha, sem marido, sem doula. Fiquei um tempo sozinha, enquanto o sistema os segurava lá embaixo. E isso doeu em mim e doeu neles. Quando entrei na sala e me mudaram de maca novamente, a enfermeira que ali estava queria que eu estendesse o braço para que ela colocasse um acesso venoso. Na hora eu questionei para que e ela disse que era para colocar um soro, que era praxe do hospital. Eu me neguei e disse que ela teria que esperar a minha médica chegar e que ela só faria qualquer coisa comigo caso a minha médica solicitasse. Sobre o soro (de ocitocina): é uma prática absurda que as maternidades adotam como padrão e que leva a diversas outras intervenções desnecessárias e que em grande parte culminam com a intervenção final chamada cirurgia cesariana. No nosso caso era ainda mais absurdo pelo fato de já haver dilatação total, e mais ainda por ser quase impossível fazer uma parturiente ficar parada com uma contração atrás da outra. Bom, não teve soro, e logo depois chegaram seu pai e a Celine. Logo depois a nossa médica chegou, como por um milagre, já que o trânsito estava caótico. Ai trocaram as enfermeiras do hospital, e a enfermeira obstetra que ficou na sala não interferiu em nada.

Toda lembrança que eu tenho desde que entrei naquela sala é muito pouco palpável, eu já quase não existia mais. Ao mesmo tempo que eu me desfazia eu me refazia, era como se no meu corpo transitassem duas vias. Era como se ali dentro estivesse acontecendo uma mágica, como nos desenhos animados, quando aparece uma espiral de fumaça que envolve dos pés à cabeça, com estrelas e muitas cores em volta. Aos poucos toda aquela força, aquela potência toda das contrações foram se amansando, como se o rio tivesse enfim voltado para o seu leito. Eu quase o tempo todo apoiada nos meus joelhos e abraçada ao corpo do seu pai. Abraçada nele, que foi meu suporte. O suporte do meu corpo e o suporte da minha alma. Eu não ouvia nada, a sala estava em silêncio. E quando os meus olhos percorriam o espaço, via os olhos brilhantes e calmos daquelas duas mulheres que havíamos escolhidos para nos acompanhar nessa jornada. Olhos que diziam que estava tudo bem. Olhos que assistiam, com um amor, uma reverência e um respeito que eu nunca vou esquecer.

Lembro que comecei a ter vontade de fazer força, mas não lembro direito se eu fiz. Eu não consigo lembrar das sensações pelas quais o meu físico estava passando. Eu só lembro do que se passava no meu coração. Foi quando eu ouvi a EO da maternidade dizer que você não poderia nascer sem a médica neonatologista, que ainda não tinha chegado; que se ela não chegasse logo ela iria chamar o médico da maternidade. Foi ouvir isso que eu e você paramos, como se déssemos um pause no filme que estávamos assistindo. A pior coisa que poderia acontecer seria ter o atendimento feito pela pediatria do hospital: você passaria por todas aquelas intervenções que eram meu maior pesadelo. Mas nós estávamos afinadas, eu, você e o Universo. Nós sabíamos o que queríamos, o nosso pacto já havia sido feito. Eu lembro da porta se abrindo e da nossa pediatra entrando. O sorriso dela trouxe luz, a luz que iluminou o final do nosso trajeto. E eu sentei na banqueta e você veio, poucos minutos depois daquele facho de luz que faltava. Veio calmamente, como se já conhecesse o caminho, como quem sabe exatamente o que fazer. Eu respirava, puxava do ar a força que eu precisava para renascer e pela minha boca saíam os últimos vestígios do que eu havia sido até então. Eu lembro da vontade de fazer força, que não fui eu quem fiz, que meu corpo fez sozinho, como quem também sabia exatamente o que fazer. Eu não quis ver o espelho, eu não consegui tocar quando você coroou, a minha energia estava toda na minha respiração. E veio o círculo de fogo, a ardência. O ardor que chegou aos meus pés… eu sentia meus pés queimando, como se houvesse fogo dentro deles. Cabeça, ombros, tudo muito lentamente. Enquanto o seu corpo saía, tudo já era somente prazer. Você veio direto pro meu colo, e não há palavra no mundo que possa traduzir o que eu senti. Estou tentando traduzir isso, mas não dá. Pele, calor, cheiro… eu tinha em minhas mãos o que há de mais rico no mundo sensorial. Era como se eu tomasse nas mãos o seu coração pulsando e a sua alma. Era como se a minha alma finalmente encontrasse o lugar dela em mim. A experiência tátil de ter sua a pele na minha, o seu coração batendo com o meu, o meu calor se misturando com o seu. Foi como se naquele momento uma porta dentro de mim se abrisse, uma porta que abriu um mundo cheio de cor e de cheiro. Ah, seu cheiro! O cheiro doce do vérnix, que faz a gente ter vontade de lamber, que faz a gente entender que a expressão “lamber a cria” é mesmo literal. Os meus pés ainda queimavam e você chorou pouquinho, enquanto eu também chorei. E enquanto chorávamos, você agarrou o dedo do seu pai, que o tempo todo esteve ali, calmo, sendo o apoio que nós precisávamos para nascer. Você nasceu de olhos e coração abertos. Em poucos minutos você mamou, a gente ali mesmo na banqueta. Eu era a própria felicidade. Não havia sequer vestígio de dor. Períneo íntegro, alma e coração também. Senti alguma coisa e falei que tinha algo acontecendo lá embaixo. Estávamos todos apaixonados por você e tínhamos esquecido da placenta, que nasceu como você, como quem sabe o que fazer. Veio rápida e sem dor, com o estímulo da sua sucção. Só então seu pai cortou o cordão pelo qual ela te alimentou por nove meses. Ficamos na banqueta por uns 40 minutos, você mamando. As primeiras observações da pediatra foram feitas com você no meu colo, enquanto mamava. Só depois da primeira mamada é que você foi rapidamente examinada por ela ali mesmo na sala, na nossa presença, e voltou rapidinho pro meu colo. 14:39h, foi a hora que você nasceu, uma hora e quarenta minutos depois de termos entrado naquela sala. Pesou 3,700kg e mediu 51,5cm. Voltou pro meu peito e ali ficou por mais de duas horas. Nos separamos por pouco tempo, enquanto você passou pelo berçário e eu fui transferida para o quarto. Seu pai saiu um pouco antes, pois tinha que cuidar da internação. Quando cheguei no quarto, acompanhada o tempo todo pela Celine, seu pai já estava lá, quase maluco de ansiedade. Logo depois você chegou, e a partir desse momento não ficou mais longe de nós, passando grande parte do tempo no peito, exatamente no lugar onde você deveria ficar.

Passamos 48h na maternidade, que poderiam ter sido 24h se nós tivéssemos tido disposição para fazer o teste do pezinho fora. O teste foi o único tipo de intervenção que permitimos que fosse feita. Você só tomou banho no segundo dia, no balde, dentro do nosso quarto… você ficou tão relaxada que dormiu ali dentro do balde. A vitamina K foi feita via oral e repetida novamente uma semana depois. As vacinas foram feitas depois de 10 dias.

Um minuto após o seu nascimento, o meu corpo já estava recuperado. Não tive lacerações, não tomei anestesia, não havia pontos, cortes ou medicamentos. Havia muita energia, disposição, e um amor gigantesco e num estado de pureza que durou por muitos dias. Eu era a própria plenitude, na forma de altíssimas doses de ocitocina.

 

Dizem que agradecer é fazer a graça descer.

 

Toda a minha gratidão a você, Manu, filha minha, filha nossa, que com o seu amor e pelo seu amor tantas revoluções fez e tem feito na nossa vida. Você me trouxe o céu, um céu com tantas cores, com tantas possibilidades. Você é pura luz. Encheu a minha vida de sentido e de sorrisos, fez de mim uma pessoa melhor, mais honesta comigo mesma. Não há no mundo coisa melhor que o seu sorriso, que o seu cheiro, que o seu olhar brilhante. Eu te amo com todas as células do meu corpo. Eu vou te amar pra sempre.

 

Meu amor, meu companheiro, meu Má… A minha enorme gratidão por ter sido a calma no meio das minhas tempestades. Pelo seu apoio incondicional. Por não ter duvidado da nossa capacidade em nenhum momento sequer. Por ter confiado em mim. Por ter sido meu suporte e a minha fortaleza. Por ter me dado espaço. Pelo colo e pelos braços que me mantiveram enquanto eu permitia que as contrações trouxessem nossa pequena para nós. Por ter me dado a barriga pra morder. Por permitir que o Universo trouxesse toda essa luz para a nossa vida. Que continuemos a ter coragem para construir o nosso mundo cada vez com mais verdade, mas respeito, e ainda mais amor.

 

À minha mãe que olha por mim de onde estiver. Que guiou à mim e à Manu no caminho do renascimento e do nascimento; eu sei que você esteve ali. Que me amou tão abundantemente e me ensinou a assim amar. Que fez de mim o que hoje eu sou. Que me abastece de força só de lembrar do seu sorriso.

 

À minha irmã, que é um pedaço de mim e eu dela. Que permite que eu me lembre quem eu sou e de onde eu vim. Pelos cuidados, pelo carinho, pelas massagens, pela paciência infinita, por me conceder o espaço necessário para que eu renasça com muita generosidade. Eu te amo.

 

Às queridas mulheres que nos ajudaram a tecer a rede que sustentou um nascimento cheio de respeito e amor: Celine, Deborah e Evelin. A minha enorme e eterna gratidão por todo o carinho e cuidado que vocês tiveram com a minha família. Pela ajuda na construção de cada passo consciente. Pelo sorriso que iluminava. Pelo olhar de quem confia. Pela generosidade. Vocês são especiais!

 

A todas às mulheres da lista e dos grupos de apoio, que compartilham diariamente experiência, informação e apoio. A todas que compartilharam pela rede seus relatos de parto, relatos que foram os responsáveis para que eu descobrisse que poderia chegar até aqui. Vocês, todas, fazem uma enorme diferença. Vocês estão mudando o mundo, estão ajudando a construir um mundo melhor. Vocês ajudaram a mudar o MEU mundo. Gratidão.

 

E que a graça desça, em abundância, na vida de todos vocês.

 

Com amor,

Paula

_A_B_C_D_E_F_G004005006007

013008012014009












dando a volta ao redor do Sol: onze doze avos ou 330°

DSC_3684

Julho de 2014

O décimo primeiro mês da Manu foi longamente comemorado! Aproveitamos a temporada de inverno e levamos o trailer para Campos do Jordão, no camping do CCB, para onde fomos no oitavo mês.

Aproveitamos o feriado e fomos para lá na quarta-feira. Nesses dias aproveitamos para ficar mais pelo camping mesmo. No sábado meus tios e primos vieram de Taubaté para almoçar com a gente no camping. Depois à tarde nós fomos encontrar uns amigos e fomos até o Pico do Imbiri, de onde se tem uma vista lindíssima!

IMG_20140712_152748511

pico do imbiri

IMG_20140712_153303097_HDR

pico do imbiri

Deixamos o trailer em Campos e voltamos para casa no domingo pela manhã, evitando assim o trânsito da descida de serra e chegando em casa a tempo de ver a final da copa do mundo!

Voltamos para Campos na quinta-feira. Saímos de casa no meio da manhã, almoçamos no restaurante Panela de Ferro, super honesto, que fica antes da subida da serra. Nesse final de semana aconteceria mais um encontro do Fórum do MaCamp. Quando estávamos já subindo a serra, encontramos um trailer parado no acostamento e paramos pra ajudar. Era um pessoal que estava indo para o encontro e a caminhonete teve um problema. Acabamos engatando o trailer deles no nosso carro e levamos o trailer para o camping, enquanto eles esperavam o carro esfriar para pode seguir viagem e procurar um mecânico na cidade. À noite outras pessoas que foram para o encontro começaram a chegar.

Na sexta ficamos no camping e o pessoal do encontro foi chegando ao longo do dia. Foi uma delícia ver o camping se enchendo de gente!

DSC_3483

DSC_3471 DSC_3477

No sábado fomos passear com o pessoal, em lugares que a gente já conhecia, mas que adoramos voltar. Primeiro fomos até o Auditório Claudio Santoro, onde também está o Museu Felicia Leirner, que é um museu de esculturas ao ar livre. Esse é um lugar que adoramos, já fomos várias vezes. de lá também se tem uma vista linda para a Pedra do Baú.

DSC_3495

museu felicia leirner

DSC_3499

pedra do baú lá no fundo

Depois do auditório fomos na Festa da Cerejeira em Flor, uma festa organizada pela comunidade japonesa em Campos do Jordão. Infelizmente as cerejeiras ainda não estavam completamente floridas, principalmente pela escassez de chuva desse ano. A festa conta com várias barracas de comida típica. Almoçamos por lá.

festa da cerejeira em flor

festa da cerejeira em flor

Depois fomos até o Pico do Itapeva, isso é, paramos no mirante que tem antes de chegar lá, para evitarmos a muvuca.

pico do itapeva

pico do itapeva

DSC_3569

pico do itapeva

DSC_3570

pico do itapeva

Voltamos para o camping no final da tarde. À noite um dos nossos amigos passou as fotos e o relato de uma viagem que ele fez de trailer até Bariloche e teve churrasco com todo os pessoal do fórum. A noite estava geladíssima e naquela madrugada a mínima foi de -3ºC! Eu e a Manu não ficamos para o churrasco, estava muito frio lá fora e a Manu precisava dormir! Ficamos quentinhas dentro do trailer!

DSC_3642 DSC_3648

No dia seguinte ficamos no camping, onde fizemos um almoço “comunitário” com o pessoal. À noite fez muito frio de novo: -4ºC!

DSC_3453

DSC_3672

fumaça de frio!

Na segunda-feira fomos até a vizinha Santo Antônio do Pinhal. Fomos até a estação ferroviária, almoçamos na cidade e depois fomos até o Pico Agudo, de onde se tem uma vista incrível!

DSC_3690

DSC_3768

estação ferroviária

DSC_3786

estação ferroviária

DSC_3825

pico agudo

DSC_3845

pico agudo

DSC_3850

pico agudo

DSC_3796

pico agudo

 

Na terça-feira arrumamos as coisas e saímos do camping na hora do almoço. Almoçamos no final da descida da serra e chegamos em casa no meio da tarde.

Total rodado:  1157 km

 

 

 

dando a volta ao redor do Sol: dez doze avos ou 300°

DSC_3166

Junho de 2014

O décimo mês da Manu coincidiu com o feriado de Corpus Christi e aproveitamos para ir para Curitiba. Para tentar diminuir o tempo de viagem e também para fazer o teste de como seria dormir com a Manu na estrada (para futuras viagens mais longas), resolvemos sair no meio da tarde e parar em algum posto logo depois da Serra do Cafezal. Copa do mundo, dia de jogo do Brasil. A gente achando que ia se dar bem se saísse no horário do jogo. A gente se deu foi bem mal. Saímos de casa às 15h e demoramos exatamente 2 horas para chegar no Largo do Taboão! Um caos, a cidade parada. Só depois que finalmente pegamos a estrada é que a coisa andou. Ainda pegamos um pouco de trânsito na Serra do Cafezal, que estava cheia de caminhões que, como nós, também não se importavam com o jogo da seleção. Chegamos no nosso ponto de parada às 19:20h. O ponto em questão foi no posto/restaurante O Fazendeiro. Paramos o trailer, com autorização do pessoal do estabelecimento, na área coberta do estacionamento. Fomos até o restaurante e compramos lanches para nós. Voltamos pro trailer, tomamos banho e jantamos, a Manu a comida que eu trouxe de casa. A Manu demorou a dormir, estava bastante acesa, talvez pela claridade e barulho dos caminhões na estrada. E também estava calor, coisa que não esperávamos!

 

pernoitando no posto

pernoitando no posto

No dia seguinte acordamos 5:30h, despertados pela Manu! Tomamos café no restaurante e saímos do posto às 6:40h. Chegamos no camping às 10:10h, recepcionados por um querido amigo que mora em Curitiba.

Ficamos no camping do CCB, que encontra-se em estado lastimável! Com o trailer dá pra ficar, principalmente porque a intenção não era ficar no camping, mas de barraca acho meio complicado.

DSC_3208

Arrumamos as coisas e almoçamos no trailer mesmo. À tarde saímos com nossos amigos, passeamos um pouco e fomos tomar um café na casa deles.

No dia seguinte de manhã passeamos de carro por alguns pontos da cidade e fomos almoçar na casa dos nossos amigos. Depois do almoço fomos até o Parque Tingui e Memorial Ucraniano, com a réplica da Igreja de São Miguel.

Memorial Ucraniano

Memorial Ucraniano

Depois fomos até o Museu Niemeyer e visitamos a exposição que estava acontecendo naqueles dias. A Manu aproveitou o escurinho e tirou uma bela soneca!

DSC_3022

Museu Niemeyer

DSC_3055 DSC_3066

No outro dia fomos até a Ópera de Arame, mas não era permitido entrar porque estavam fazendo umas obras lá dentro. Pra chegar lá também estava meio complicado por causa da festa da FIFA que acontecia na pedreira.

DSC_3118 DSC_3124

De lá fomos até a Universidade Livre do Meio Ambiente…

DSC_3139 DSC_3145 DSC_3164

e depois no Jardim Botânico, que estava lotado de torcedores dos países que iriam jogar no dia seguinte na cidade.

jardim botânico

jardim botânico

De lá fomos até o bairro de Santa Felicidade e almoçamos no restaurante Madalosso Velho.

2014-06-20 15.05.21 2014-06-20 13.53.46

No sábado de manhã fomos no Bosque Alemão, que é um lugar muito legal para ir com crianças. Teve contação de história, e fizemos a pequena trilha de João e Maria. Sem falar na torta de amora dos deuses que eu comi no café!

DSC_3269

Oratório Bach

DSC_3296

contação de história

DSC_3305

contação de história

DSC_3325

escadaria

De lá fomos para o Memorial da Imigração Polonesa…

DSC_3335 DSC_3339

e depois no Zoológico no Parque Iguaçu.

DSC_3366

No domingo fomos com nossos amigos até a colonia menonita em Witmarsun, que fica na cidade de Palmeira, há mais ou menos 100 km do camping. Almoçamos no restaurante alemão Frutilhas Lowen e depois fomos no museu da colonia. Antes de ir embora passamos na Confeitaria Kliewer.

DSC_3412

museu

DSC_3417

museu

DSC_3421

museus fazem a Manu dormir

DSC_3431

na confeitaria

DSC_3432

confeitaria Kliewer

Saímos de Curitiba na segunda-feira de manhã e chegamos em casa no começo da tarde.

Total rodado: 1218 km