em busca de um nascimento respeitoso – placas indicativas

p

Fazia tempo que eu queria fazer esse post, que na verdade é uma versão mais completa de um email que mandei pra minha irmã pouco tempo depois de a Manu nascer. Desde então eu já mandei esse email para algumas pessoas.

É um compilado de sites, livros e filmes que fizeram parte da minha caminhada em busca de um nascer respeitoso para mim e para minha filha, porque afinal, eu também renasci ao final desse processo. Processo que começou bem antes de eu engravidar, inclusive. Um processo que foi bastante solitário, cavando com as minhas próprias mãos, sem atalhos, sem ajuda, sem ninguém por perto que já tivesse passado por uma experiência parecida. Um processo que só foi possível porque, antes de mim, outras mulheres já haviam percorrido a mesma trilha e compartilharam na rede e em grupos de apoio suas próprias experiências e deixaram placas indicando alguns caminhos possíveis. Mulheres que tiveram que cavar bem mais que eu. Porque não existe um só caminho possível, são vários e ainda muitos a serem abertos. Mas não se engane com isso, porque mesmo que haja uma infinidade de caminhos, alguns deles não te levarão até lá. E é sobre isso que os links e as indicações de material que vou deixar abaixo vão falar.

Hoje, para que você consiga um acompanhamento pré-natal e um parto de qualidade, onde exista esclarecimento, informações atualizadas por parte dos profissionais e baseadas nas mais atualizadas evidências científicas, um atendimento onde mulher e bebê sejam respeitados e não estejam sujeitos a procedimentos desnecessários (e em sua maioria dolorosos e traumáticos), é preciso cavar muito. O Brasil é o país com o maior índice de cirurgias cesarianas. As taxas superam os 50%, considerando o atendimento público e privado. Considerando apenas o setor privado, a média é de quase 90%, sendo maior que isso nas principais maternidades de São Paulo, a principal cidade do país. A cidade onde eu nasci, São José do Rio Preto, é conhecida como a capital brasileira da cesariana, com taxas superiores a 84%, dados de 2014. Imaginem o quanto eu não teria que ter cavado se ainda morasse lá! Esses números ficam ainda mais assustadores quando contextualizados com o que a Organização Mundial de Saúde recomenda, que seria algo entre 10 e 15% de nascimentos via cirurgia cesariana.

Mas na verdade esse post e os seus links não são para falar da cesariana, assim como não é um passo-a-passo para o parto normal. Esse post é para que as mulheres tenham informação, de verdade e de qualidade, e tenham suas vontades e seus corpos respeitados. Esse post é para que as mulheres e os bebês não sejam roubadas no momento que provavelmente vai ser o mais importante de suas vidas. Essa informação toda é para que as mulheres tenham consciência na hora de fazer as suas escolhas, e saibam quais os riscos e benefícios daquilo que escolher. Para que as mulheres não sejam vítimas de um sistema de saúde perverso, onde hospitais, poder público e profissionais são coniventes, cada um apoiado em suas próprias muletas, muletas que servem única e exclusivamente a eles. Muletas que são, principalmente, muito lucrativas. Muletas que são usadas em detrimento da saúde de milhares de mulheres e bebês todos os dias.

Hoje, esse caminho ainda não é fácil, mas as coisas têm melhorado, devagar, mas em um passo que, acredito e espero, já não é mais possível reverter. Cada vez mais e mais mulheres têm acesso à informação, e munidas de informação, começam a contestar o sistema e o atendimento médico que lhes é oferecido. Apoiadas nessa rede, feita de outras mulheres, muitas mães conseguem acessar a verdade por trás de suas próprias histórias, uma verdade que lhes foi ocultada por um sistema que ainda busca convencer que, caso as coisas não ocorram como elas gostariam, a culpa é delas, é do corpo delas, que não é perfeito, que não funcionou. Como se o parto normal fosse a exceção, apenas para mulheres sortudas e iluminadas. Ou então que o problema é com o bebê, que não quis nascer na hora que o médico precisava que ele nascesse, ou que era grande demais, pequeno demais, gordo demais, magro demais, ou de tão ativo que foi enrolar o cordão no próprio pescoço, ou que tinha a cabeça muito grande para o quadril da mãe, ou que era preguiçoso e não quis encaixar. No final, a culpa é sempre da mãe e do bebê.

Na verdade, o que eu quero com isso é dar a minha contribuição e distribuir novas plaquinhas pelos caminhos que eu trilhei. Para que outras mulheres tenham a chance de chegar ao final dessa jornada (que na verdade é o começo de uma outra e longa jornada) tendo sido respeitadas e acolhidas nas suas próprias escolhas. Para que outras mulheres tenham escolhas. Porque depois de subir essa montanha e superar a si própria, a visão que se tem lá de cima ajuda muito na escalada das montanhas que estão por vir. Uma mulher que vive uma experiência positiva de parto, sabendo que foi feito tudo o que estava a seu alcance, se sabe capaz de enfrentar qualquer desafio que venha pela frente. E essa mulher NUNCA MAIS vai aceitar que lhe digam que ela não é capaz, que não é possível. Ela vai saber que ela é sim capaz de amamentar, ela vai saber que nada nem ninguém saberá melhor de seu filho do que ela mesma. E para mim, tão importante quanto seu próprio empoderamento, é a relação que se construirá com o bebê, de confiança mútua, de confiança na sabedoria daquela criatura, aparentemente tão frágil, mas que junto com ela forma uma dupla capaz de vencer qualquer desafio que possa vir a acontecer. JUNTOS.

Esse post é pra dizer que sim, VOCÊ TEM ESCOLHA!

Vou listar os links e marcar com um * (asterisco) aqueles links que julgo serem imprescindíveis. E espero, do fundo do meu coração, a ajudar a abrir novas portas e janelas.

  1. (**********) Tenha uma doula. Tenha uma doula. Tenha uma doula! Esse site aqui pode te ajudar a encontrar uma: http://www.doulas.com.br/ . Ou então procure nos grupos de apoio pela internet ou no facebook. Evite aceitar pacotes prontos, onde o médico empurra uma doula que trabalhe com ele. A afinidade da doula tem que ser com a gestante, não com o médico! Se for com os dois, ótimo, mas é imprescindível que haja afinidade com a mulher. A doula apoia a mulher, e não o médico!
  2. (*) O site do GAMA (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa) http://www.maternidadeativa.com.br/index.html
  3. (*) Blog da Médica Ginecologista Obstetra, MD, PhD, Dr. Melani Amorim http://estudamelania.blogspot.com.br/
  4. (*) do blog acima, um post sobre indicações reais e fictícias para uma cesariana: http://estudamelania.blogspot.com.br/2012/08/indicacoes-reais-e-ficticias-de.html
  5. (*) http://www.amigasdoparto.com.br/
  6. http://www.cientistaqueviroumae.com.br/
  7. (*)Relatos de parto: http://tevinascer.com.br/
  8. http://criaminha.wordpress.com/
  9. http://www.partonobrasil.com.br/p/relatos-de-parto.html
  10. http://vilamamifera.com/mulheresempoderadas/
  11. http://www.maternidadeconsciente.com.br/
  12. http://pesquisassobreparto.blogspot.com.br/
  13. http://crisdoula.com/
  14. http://drbrauliozorzella.blogspot.com.br/
  15. http://infospartohumanizado.blogspot.com.br/
  16. http://mamatraca.com.br/
  17. http://www.despertardoparto.com.br/
  18. (*) https://www.facebook.com/orenascimentodoparto?fref=ts
  19. (******) https://www.facebook.com/DuarteAnaCris?fref=ts
  20. (*) https://www.facebook.com/MelaniaAmorim?fref=ts
  21. Grupos de apoio e páginas sobre o assunto
  22. (*) Livro: Nascer Sorrindo, Frédérick Leboyer – Ed. Brasiliense
  23. (*) Livro: Parto Ativo – Guia Prático para o Parto Natural, Janet Balaskas – Ed. Ground
  24. (*) Livro: Quando O Corpo Consente, Marie Bertherat, Thérèse Bertherat e Paula Brung – Editora Martins Fontes
  25. Livro: Se Me Contassem o Parto, Frédérick Leboyer – Ed. Ground
  26. Livro: Parto com Amor – Em casa, com parteira, na água, no hospital: Histórias de nove mulheres que vivenciaram o parto humanizado / Luciana Benatti e Marcelo Min
  27. Livro: Parto Normal ou Cesárea? O que toda mulher deve saber (e homem também) – Simone G. Diniz e Ana C. Duarte
  28. Livro: O Renascimento do Parto – Michel Odent
  29. Livro: A maternidade e o encontro com a própria sombra – Laura Gutman
  30. (*) Documentário: O Renascimento do Parto
  31. Documentário: Parto Orgásmico (Orgasmic Birth) https://www.youtube.com/watch?v=zG_6IVmXvr0
  32. Documentário: The Business of Being Born https://www.youtube.com/watch?v=KvljyvU_ZGE
  33. Documentário: A Dor Além do Parte https://www.youtube.com/watch?v=cIrIgx3TPWs
  34. Documentário: Parto Humanizado https://www.youtube.com/watch?v=My7pBG_nD0w
  35. Documentário: Parto Natural – Natural Birth https://vimeo.com/8526305
  36. (*) A importância do plano de parto e como fazer o seu (independente do tipo de nascimento, cesariana ou parto normal) http://maesdepeito.blogosfera.uol.com.br/2015/09/16/saiba-a-importancia-do-plano-de-parto-e-como-fazer-o-seu/
  37. (*****) Procedimentos feitos nos bebês no nascimento hospitalar e a verdadeira necessidade deles http://maesdepeito.blogosfera.uol.com.br/2015/10/20/saiba-quais-exames-no-bebe-sao-necessarios-e-dispensaveis-na-hora-do-parto/

OBS:

– Meu relato de parto: https://manueomundo.wordpress.com/2014/08/21/nossa-primeira-grande-viagem/

– Se você é de São Paulo e quer indicação de algum profissional, me manda um email! 😉

– Se você acha que vai conseguir ter um atendimento de qualidade com o médico do convênio, faça uma busca para saber qual a taxa de cesarianas dele (http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/ser-mae/mulheres-divulgam-listas-com-os-indices-de-cesareas-de-obstetras-que-atendem-parto-pelos-planos-de-saude/  e  http://maesdepeito.blogosfera.uol.com.br/2015/07/30/maioria-dos-medicos-do-plano-tem-mais-de-90-de-cesareas-veja-lista/)

– Aqui as taxas dos médicos conveniados em São Paulo: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1pYS0k0e8y4WMu1ZXBHpvfyuRjb8QJhoOySP9FlxrNqM/edit#gid=0

Nota

palavras, pensamentos, confissões, gritos, desabafos

DSC_9747 – no binômio mãe-filha, ela avança de fases mais rápido que eu

– nessa de tentar ser mais leve, achei que aqui no blog eu deveria mais retratar do que escrever criticamente (uma coisa totalmente intrínseca, da minha natureza). tipo, influenciar pelo exemplo, para evitar os espinhos que às vezes as palavras trazem para quem precisa mas não quer ouvi-las. até porque às vezes a minha honestidade direta parece espinhenta. e também porque não me achava na condição, muito pela falta de tempo e da possibilidade de dedicação maior a esse espaço, de escrever longamente sobre alguns temas, já que tem muita gente bacana por aí escrevendo perfeitamente sobre tudo o que eu penso. mas aí que tem uma pulga atrás da minha orelha me cobrando honestidade… porque eu sou o que eu penso, né? porque eu decidi ser protagonista da minha própria vida, e o sou. então, porque estou me colocando como se fosse uma espectadora-relatora aqui no blog, que é um espaço meu?

– preciso aprender a escrever meigamente. preciso?

– se eu disser o que eu penso, o que eu faço, eu estou apenas dizendo sobre mim mesma! se eu faço diferente do outro, porque acredito naquilo que faço (o que, como consequência quer dizer que eu não escolhi/escolheria o que o outro fez, por N razões), não quer dizer que eu recrimine quem faz diferente de mim (até porque a maioria das pessoas do meu convívio fazem diferente de mim). de verdade, eu respeito quem faz diferente de mim, principalmente se a pessoa fez escolhas e está feliz com ela. ponto?!?

– se as minhas escolhas incomodam alguém, isso não diz mais sobre esse alguém do que sobre mim mesma (e do que sobre as minhas escolhas)?

– tenho PAVOR de deixar a minha filha, que seja um segundo sequer, com pessoas com as quais eu não confio na questão alimentação… PAVOR!

– mas deixaria ela (não, ainda não deixaria, mas confio – num futuro quem sabe?) com pessoas que, mesmo tendo uma alimentação completamente diferente da que levamos, tivesse respeito e interesse pelas nossas escolhas.

– tem gente que dá doce pra bebê (bebê mesmo, tipo alguns meses) escondido da mãe do bebê! e o pior, fez isso na minha frente!

– estou pegando pavor da palavra natureba para designar a minha pessoa. gente, quando você chama uma pessoa de natureba, você está atribuindo um rótulo a alguém, e vamos combinar: rótulo NÃO é legal! se eu quisesse fazer o mesmo com você e lhe atribuir um rótulo em relação à alimentação, qual seria? me ajuda e deixa nos comentários? porque eu não consigo pensar em um, porque simplesmente o jeito que você come não define quem você é (contanto, é claro, que você mantenha sua comida longe da minha filha, que ainda não aprendeu a pensar criticamente e ainda acha que tudo o que lhe oferecerem é bom, afinal, crianças acham que todas as pessoas são boas, não é?)

– ainda sobre comida (sim, esse é um tema espinhento para mim), porque raios, os atendentes de padaria acham que toda criança deve comer pão de queijo? oferecem pão de queijo para a Manu desde que ela tinha uns 6 meses (ou menos), e não, ela não come pão de queijo, nem queijo, nem leite, nem manteiga. não, ela não tem alergia (mas poderia ter, como tanta criança tem), e se tivesse isso aumentaria minha raiva ainda mais. sim, foi uma escolha minha… talvez depois dos dois anos ela comece a experimentar, talvez não… foi uma escolha nossa, íntima e pessoal, dá pra respeitar? – ela também não come brigadeiro, pizza, chocolate, biscoitos maizena, bolacha água e sal, industrializados, suco (nem natural, nem de caixinha e muito menos de pozinho), nem salsicha (pois tem gente que acha que criança deve comer salsicha), nem nuggets sadia, nem gelatina artificial, nem produtos diet (pois é!), nem danoninho que não vale por um bifinho – e isso eu gostaria de gritar na orelha de alguns. e sim, ela é feliz! e além de feliz, tem uma saúde de ferro, o que já é um motivo bem grande para ser feliz, né!

– aqui em casa tomamos água, a Manu toma água, e sim, temos prazer nisso. já ouvi gente dizer que “é preciso ter prazer na vida” quando eu disse que queria água para tomar durante o almoço.

– só porque comprou no hortifruti não quer dizer que é orgânico. salvo raras exceções, isso na verdade quer dizer que o alimento NÃO é orgânico. e sim, grande parte das coisas que comemos SÃO orgânicas.

– aqui as coisas tem os nomes das coisas e as palavras são faladas corretamente. não somos parentes do cebolinha e tivemos uma boa alfabetização. cachorro é cachorro, não é auau; por mais que ELA fale auau, NÓS falamos cachorro, e ela sabe que o auau é do cachorro, não da entidade auau. aqui não tem papá, é comida. não é naná, é dormir. por isso, se você falar pra Manu que ela está fazendo papá, ela não vai entender o que você está querendo dizer, entendeu? 😉

– sim, ela ainda mama. sim, ela come, e come bem. sim, ela vai mamar até o dia que ela quiser. não, eu não perguntei a sua opinião. – porque raios qualquer pessoa na rua, que eu nunca vi na vida, pergunta se uma criança dorme a noite inteira? não entendo essa obsessão, juro que eu não entendo. – ela não assiste televisão, tablet, dvd, celular, computador. os únicos videos que ela vê são os que fazemos dela mesma. e eu nunca falo sobre isso com as mães das outras crianças, até porque cada um faz o que acredita. mas sempre as mães das outras crianças começam esse assunto comigo e juro, já passei por algumas inquisições quando o assunto é televisão.

– outra palavra que tem me incomodado bastante: tradicional. você ai, já parou para pensar o que significa ser tradicional hoje em dia? eu ESCOLHI não ser tradicional, eu escolhi não me encaixar em nenhum rótulo, porque quero me sentir livre para mudar de ideia quando bem entender, quando algo deixar de fazer sentido para mim. porque sim, isso acontece com frequência, ainda bem.

– ainda sobre amamentação, coisas que eu engoli e que agora eu vou cuspir:

1) bebês não fazem peito de chupeta, fazem a chupeta de peito (eu poderia escrever aqui sobre os malefícios da chupeta, sobre disponibilidade, sobre comodidade, sobre um monte de coisas, mas não vou fazer isso AGORA; só vou dizer que quando você diz que um bebê está chupetando o peito, VOCÊ está equivocado e precisa estudar um pouco mais sobre amamentação, ou, na melhor das hipóteses, precisa parar de repetir frases sem sentido só porque um dias elas foram repetidas à exaustão para você).

2) só porque um bebê mama não quer dizer que ele não coma; até porque até 1 ano o leite materno é e deve ser o principal alimento, o resto é complementar, e não o contrário.

3) quando alguém diz que a Manu poderia ficar longe de mim, que a pessoa poderia oferecer o dedo para ela chupar, que vai ser a mesma coisa, a minha vontade é de esguichar um belo jato de leite materno bem no meio do olho dela, para ela ver que sim, nesse peito mora leite (muito leite), além de um coração.

4) quando uma médica não sei de quê resolver dizer, sem que tenha sido perguntada, que depois dos seis meses o meu leite não serve de nada, eu fico me perguntando o que raios se ensina nas faculdades de medicina desse país. na verdade eu penso mais um monte de outras coisas sobre esses médicos, mas acho melhor não dizer para não tornar esse um post impróprio (e para não ser presa).

5) quando alguém fala “eca” para minha filha quando vê ela mamando e eu não posso cometer um assassinato

6) quando alguém diz que não pode amamentar em livre demanda, que precisa de regra, de horário e eu resolvo não responder à altura, porque não vai adiantar, já que simplesmente em algumas situações mais vale o ditado “não jogue pérolas aos porcos”.

– só a mim machuca e assusta quando uma pessoa que não sabe muito bem o que é amor, carinho, afetividade, respeito, vem dizer que um bebê não pode ficar no colo, que deveria ficar no berço e de lá só sair para mamar?

– e quando você fala que não vai ter berço? 😮

– pulmões não precisam de choro para funcionar!

– mulheres são enganadas por médicos obstetras e pediatras todos os dias e não, eu ainda não sei o que fazer com isso. ainda acho que eu não devo fazer nada, afinal, cada um é livre para fazer e se responsabilizar por suas escolhas e eu não tenho nada a ver com isso. mas gente, como faz com esses bebês que estão sendo roubados de alguns direitos que deveriam ser “inroubáveis”? bebês sofrendo intervenções que não deveriam sofrer, nascendo antes da hora que deveriam nascer (e por isso acabando em utis, sendo privados do contato com seus pais), passando por experiências dolorosas pelas quais não precisariam passar?

– sobre isso, leia “nascer sorrindo”, do frederick leboyer

– quando sua avó diz “deus te ajude” quando você fala que vai ter um parto normal, depois de te perguntar se sua médica não estava te obrigando.

– e quando as pessoas põem na cabeça das mulheres que elas são incapazes (gente aliás que ganha muito dinheiro com isso)? e ai, essas mesmas mulheres desacreditadas saem por ai desacreditando todo o gênero, espalhando medo, alarmando mentiras, numa tentativa de fazer virar verdade uma mentira em que elas acreditaram? acho bom eu parar por aqui. se algo aqui te ofendeu, de verdade, não é minha intenção e por isso eu peço desculpas, me mande um email, vamos conversar e resolver esse mal entendido, tá? não deixa passar não, engolir sapo não é legal. agora se você me conhece e se ofendeu com algo que responde a alguma coisa que você mesmo tenha dito, saiba que sim, isso é pra você, e só estou devolvendo o sapo que eu não consegui digerir. afinal, o sapo é seu e quem deve digeri-lo é você. mas se quiser conversar e estiver dispost@ a ouvir e se colocar no lugar do outro, mande um email você também, numa dessas temos a chance de nos ajudarmos com os nossos próprios sapos. mas se você só ficou bravinh@ e não é capaz de se colocar no lugar do outro, não perca seu tempo e nem o meu.

PS1: talvez eu me arrependa e tire esse post do ar. talvez eu me empolgue e faça a parte II, porque sim, tem bastante coisa pra uma parte II.

PS2: hormônio é foda.

nossa primeira grande viagem

A VOCÊ, COM AMOR (Vinícius de Moraes)
O amor é o murmúrio da terra
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia…
O ridente abandono,
a rútila alegria
dos lábios, da fonte
e da onda que arremete
do mar…

O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda…

E a música inaudível…

O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que freme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar…

O amor é Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris.

……

Manu, meu amor… eu já comecei a escrever esse relato na minha cabeça um sem número de vezes. 100 número de vezes? Tranquilamente foram mais que 100 vezes, porque construo E desconstruo ele um pouquinho quase todas as noites desde que você nasceu. Mas como fazer a cabeça traduzir em palavras algo que aconteceu em cada célula do meu corpo, em toda a eternidade do meu coração e da minha alma? Como traduzir aquilo que foi puro sentimento, sensação, instinto, calor queimando? Não sei… raios, não sei como fazer isso! Eu já não sei mais fazer tantas coisas, apesar de agora saber fazer tantas outras! A verdade é que há quase um ano eu vivo em um tempo fora do tempo, um tempo nosso, que corre do nosso jeito. Um tempo de sentidos, desprovido de razão. Um tempo de cheiro, de toque, de gosto. Um tempo…

Vou tentar começar do começo…

Nós descobrimos que você já estava do lado de cá desse mundo no dia 24 de dezembro (2012). O meu corpo sabia desde o dia que você aterrissou no meu útero, a minha cabeça não. {Abro um parênteses aqui pra te dizer, filha: o nosso corpo SABE. Ele sabe tudo, ele contém as respostas para todos os enigmas do Universo. Quando a gente se sintoniza com ele, tudo funciona, a gente usufrui de toda essa sabedoria. Se a gente não sintoniza, ele, o corpo, se vira como pode e realiza o que consegue dentro das limitações que a nossa cabeça o impõe. Para descobrir que estava grávida, meu corpo teve que se virar e pedir ajuda ao acaso. Mas para você nascer, eu deixei ele agir, não impedi… e foi lindo. Mas isso eu conto mais pra frente.} Eu andava cansada, a vida tava corrida, nós planejávamos uma longa viagem de carro pelo nordeste… e com isso eu não fui percebendo que a vida também começava sua corrida bem ali no meu ventre, mas o meu coração e os meus sentidos sabiam. No trânsito indo pro trabalho eu anotava em um bloquinho as músicas que eu ouvia no rádio que eu gostaria de ouvir quando estivesse grávida. Eu imaginava nomes de menina para minha filha. Eu tinha sono, um sono que eu nunca havia sentindo antes, mas achava que era cansaço. Eu tinha enjoos, mas achava que era a gastrite. Meus seios doíam, mas achava que eram os hormônios ficando malucos. Teve um dia que o carro parou no meio da 9 de julho e não quis sair de lá. Eu fiquei desesperada, chorei, tremi. E pensei: “imagina se eu estivesse grávida?” Eu ESTAVA grávida! Mas voltando… nós descobrimos que você já estava aqui no dia 24 de dezembro, na hora do almoço. Eu estava fazendo as sobremesas para o natal, seu pai levando o carro no mecânico, as malas, o outro carro e o trailer carregados e prontos para a nossa viagem, e nada da menstruação descer. Já estava atrasada mais de uma semana. Eu achei que fosse cansaço, sei lá, mesmo que aquilo nunca tivesse acontecido. Liguei pro seu pai e pedi pra ele trazer um teste de farmácia. Essa técnica era infalível, era fazer um teste de gravidez pra menstruação que não descia descer. Ele trouxe e saiu, já que eu tinha falado que não ia fazer naquela hora mesmo, porque precisava esperar um tempo para o xixi ficar mais concentrado. Mas passaram uns minutos e eu fui lá e fiz. Li a bula, olhei o teste… 2 risquinhos… acho que esse teste está com defeito! Mas ai a ficha foi caindo e eu fui ficando desesperada, e confusa… Liguei pro seu pai chorando, pedi para ele trazer mais testes. E ele chegou calmo e com o sorriso mais lindo que eu já vi em toda a minha vida. E eu chorava, eu tremia. Eu fiz 7 testes de gravidez! Eu chorei por 7 dias! O quanto eu te desejei, o quanto eu esperei por você! E me dei conta que eu estava com medo, com muito medo! Medo de não dar conta, medo do medo. O pavor passou, eu chorei ele todinho. Não fizemos a viagem, eu estava com muito enjoo para tanto tempo de estrada, preferimos fazê-la com você aqui do lado de fora. Como era final de ano, não conseguimos consulta para aqueles dias. Passamos as festas, viajamos para perto, e só no dia 15 de janeiro (2013) é que fizemos o primeiro ultrassom e confirmamos o que já era certo: você estava aqui, coração pulsante, forte, determinado.

A primeira consulta que fizemos foi com a ginecologista do convênio com quem eu me consultava. Mas já fazia tempo que eu sabia que não seria ela a médica que me acompanharia na minha gestação. Eu nunca falei sobre partos com ela, e nem precisaria, porque eu já sabia que com ela não teríamos um parto que respeitasse nosso tempo. Veja, quando um médico tem uma sala de espera lotada e o horário da sua consulta atrasa no mínimo 3 horas, qual o tipo de atendimento que se esperaria para um parto? Só passamos com ela mais para pegar guias de exames e adiantar as coisas. Só fomos passar pela consulta com a primeira médica que poderia nos acompanhar nessa jornada no dia 6 de março, já estávamos com 16 semanas. Essa médica é excelente, e com certeza teríamos um parto cheio de respeito e carinho com ela. Mas o meu convênio só cobria os hospitais menos humanizados da cidade, e ela não poderia nos acompanhar nesses hospitais. A partir disso, comecei uma batalha, interna e externa. Nos dois anos que eu vinha lendo e estudando sobre parto natural, humanizado, em nenhum momento eu havia me deparado com as questões da maternidade. Afinal, eu estudava sobre fisiologia do parto, sobre capacidade da mãe de parir e do bebê de nascer, estudava as evidências científicas. Mas ignorei o papel que o sistema tem no quadro atual do nascimento no Brasil, principalmente na cidade de São Paulo, onde as taxas de cesarianas das maternidades particulares ultrapassam os 90%. Eu sabia que não teria um parto normal com qualquer médico, mas não havia me detido que também não o teria em qualquer maternidade, que essas também são co-responsáveis pelo alto índice de cesarianas e por diversos tipos de violência obstétrica. E ai eu comecei a tentar a portabilidade do meu plano de saúde, para que tivesse direito a um hospital que fosse “menos” pior (porque não há um hospital decente mesmo, filha). Não consegui. Cogitei pagar à parte a maternidade, mas desisti quando percebi o tamanho dessa loucura. Com isso, a primeira médica não seria mais possível. Então no dia 2 de abril fomos conhecer aquela que seria a médica que nos acompanharia até o fim. Ela nos acolheu, nos acalmou, nos instruiu. Saímos de lá com várias folhas de receituário. Nas folhas, no lugar de medicamentos, haviam nomes de livros, de filmes. Remédios pra alma, fortalecedores da calma, instigadores da coragem. Porque uma gestante não é uma pessoa doente; é uma vida gerando outra vida. Decidimos então escolher nossas batalhas e encarar a maternidade que o plano cobria. Ir para qualquer uma dessas maternidades sem contar com uma equipe que esteja disposta a bancar um nascimento humanizado é loucura. Não existe parto natural humanizado nessas maternidades, como não existe sorte nesses lugares. Se você ficar na mão deles, você automaticamente está aceitando todo um pacote de intervenções que nós não aceitaríamos. Então nos cercamos de pessoas que estavam dispostas a nos acompanhar e, mais que isso, a serem nossas guardiãs. No final de junho conhecemos a nossa doula querida e uns dias depois conversei com a pediatra neonatologista… pronto, nossa rede de apoio foi tecida. Essa questão da maternidade me roubou um tantão de calma, me afligiu bastante. Desde sempre eu dizia que teria meus filhos em casa, eu sempre tive horror a hospitais. Mas ai eu engravidei e fui tomada pelo medo, aquele velho conhecido que tantas vezes já me assombrou. Eu tinha medo de morrer e de deixar você e seu pai sozinhos. E foi esse medo que me levou ao hospital. Hoje eu vejo os perigos que esse medo nos fez correr… estar em um hospital em uma gestação de baixo risco é muito perigoso… qualquer deslize e eles te roubam o parto, te roubam diversos direitos que deveriam ser “inroubáveis”. Mas deixemos o medo pra lá.

Quando estávamos entrando na 36º semana, fomos em uma consulta com a médica e eu falei dos incômodos que vinha sentindo para fazer os exercícios com o epi-no, que muitas vezes nem conseguia fazer porque era como se o balão estivesse encostando em alguma coisa. E então foi feito um exame de toque e sua cabeça já estava bem baixa, 1,5cm de dilatação e colo do útero macio. Eu fiquei desesperada, entrei em pânico frente à possibilidade de você nascer antes da hora. Eu passei a gestação inteira me preparando para esperar 42 semanas, já que geralmente os bebês sempre passam das 40 semanas (quando sua hora é respeitada, o que geralmente não acontece). A médica sugeriu que eu fizesse repouso por uma semana, para ficarmos tranquilos e entrarmos na 37º semana. Mas o meu medo que você nascesse antes era tanto que a partir daquele dia eu parei de trabalhar e passei a ficar o dia todo deitada, para que nenhuma pressão ou a força da gravidade te empurrasse para baixo!  Para mim 37 semanas ainda era muito pouco, eu queria você crescendo tudo o que você precisasse ali dentro da minha barriga. Aos poucos, com o passar dos dias, fui me acalmando e me entreguei, me entreguei àquela espera. Eu era a própria espera, eu era só espera. A lembrança que eu tenho desses últimos dias é uma lembrança de vazio, como se eu estivesse me esvaziando. O que eu lembro da vida naqueles dias é um papel em tom pastel banhado pela luz do sol do fim do inverno. A vida era o céu azul.

Eu tive dois medos (além dos medos meus) que o desconhecido da gravidez me trouxe. O primeiro era o medo da dor. Eu não suporto dor, dor de machucado, dor de doença. Não adianta, não sei lidar com ela. Então eu tinha medo da dor do parto que tão maldizem por ai. Mas ai eu fui lendo, fui estudando, e vi que talvez essa dor não fosse assim tão cruel. E comecei a relativizar… com a dor de cabeça que é insuportável, mas não me mata; com a dor da saudade, que dói mais que tudo e para qual não tem remédio; com a dor de ter perdido quem mais se amava e nada ter podido fazer. E ai que a dor não me assustou mais. Aquela dor, se ela viesse, não iria me matar. Ela teria começo, meio e fim. E eu teria apoio e proteção para lidar com ela. E ela me traria o maior presente do mundo. E assim, fácil, eu me livrei do medo da dor. O segundo medo era de não saber quando eu entrasse em trabalho de parto. E foi assim….

Dia 20/08/2013, 23:30h. Eu acordo engasgada com refluxo, olho no relógio, olho para dentro de mim… Olho pra dentro de mim pela última vez… alguma coisa acontecia ali… leve, indolor. Voltei a dormir. Minha cabeça não percebeu, mas o meu corpo me acordou pra me dizer que você estava a caminho. Era a primeira noite de lua cheia.

Dia 21/08/2013, entramos na 39ª semana. Acordei umas 6:30h, como de costume. Fui ao banheiro, tinha um micro pingo de sangue na calcinha. Sentia cólicas leves, bem leves mesmo. Voltei pra cama, falei com o seu pai que eu achava que o dia tinha chegado. Ficamos os dois deitados na cama, num misto de alegria e abobamento! Eu não sentia dor nenhuma, as cólicas eram muito leves e eram a única coisa que fazia com que aquelas contrações fossem diferentes das contrações de treinamento já tão conhecidas da gente. Seu pai disse que não ia sair pra trabalhar então, e ficamos um pouco mais na cama. Mas tudo estava tão tranquilo, e na minha cabeça as coisas ainda iriam demorar bastante. Falei pra ele pelo menos levar as coisas que ele tinha que levar para a obra que ele estava fazendo do outro lado da cidade, porque não saberíamos quando ele poderia levá-las depois. Ele titubeou, ficou na dúvida, mas eu acabei convencendo-o a ir, afinal…

Descemos, tomamos nosso café da manhã, e ele saiu umas 8:30h. Eu voltei pra cama. Foi só ele sair que as contrações começaram a ganhar ritmo e intensidade. Intensas, mas suportáveis. Eu estava adorando aquilo tudo, aquele processo todo. Era um momento nosso, filha, só nosso. A contração vinha, eu respirava, te sentia, e a dor passava. Resolvi começar a anotar, mas sozinha a única coisa que eu conseguia anotar era quando uma contração começava. Não tinha controle nenhum do quanto elas duravam. Eu não tinha mais controle…

9:27h

33

37

43

48

55

57

10:01

04

06

11

16

23

29

33

36

42

48

53

55

11:02

banho

 

A verdade é essa. Desde que as contrações começaram, eu abri mão do controle ou o controle abriu mão de mim. Quando elas começaram mesmo a ter força, eu parava quando elas vinham, respirava com a barriga, e voltava a fazer outra coisa. Resolvi tirar o plástico do seu colchão, que fica no chão. Quase não consegui. Voltei pro nosso quarto, cortinas fechadas filtrando o sol que brilhava quente lá fora, a despeito do dia de inverno. Sentei na bola, apoiei na cama, e chorei. Não chorei de dor, nem de medo. Não havia dor nem medo. Havia força dentro de mim, o meu corpo era a própria força. Eu que adoro o silêncio e que me achava incapaz de vocalizar no parto, me soltei. Não gritei, porque os sons que a gente solta em trabalho de parto não são gritos. Novamente, esses sons eram força. É o ar em forma de força que a gente libera do pulmão, da barriga, da alma, e que passa pela garganta vibrando. Vibrando! Eu chorava de saudades da minha mãe. Era como se eu me tornasse ela, me tornasse eu, me tornasse você. E eu senti ela chegar, você sentiu. A partir daquele momento ela esteve o tempo todo conosco. Coloquei no pescoço a correntinha com a medalha de Nossa Senhora que era dela e liguei para o seu pai, pra ele se apressar porque eu precisava dele. Vejo claramente o quanto foi importante para mim ter ficado esse tempo sozinha, para que eu pudesse me conectar comigo mesma, para que a força viesse e eu não colocasse nenhuma barreira, nenhum pudor entre ela e nós. Seu pai ainda demorou um pouco por conta do trânsito, e do trânsito mesmo ligou para a nossa doula querida, que chegou em casa alguns minutos depois que ele. Quando ele chegou o mundo já estava esfumaçado e eu inebriada. O meu corpo era pura força, e eu achava que não iria aguentar. Fui pro chuveiro para ver se passava, mas eu não consegui relaxar. Eu não queria relaxar, eu queria te ver. A Celine chegou e quando me viu, achou que devíamos ir já para a maternidade. E fomos. Devia ser quase meio dia, o sol e o trânsito a pino. Seu pai dirigindo e ela no banco de trás comigo. Eu sentia calor, sede, sede, sede e força. Ficava de joelhos abraçada ao banco enquanto ela passava a mão nas minhas costas. Eu só lembro que de repente me batia um enorme cansaço e eu precisava deitar. Seu pai jogou o banco dele todo pra frente e ela se sentou no chão do carro. Eu deitava, mas deitada era pior. Ai eu levantava de novo. Sede, sede, sede. Força, força, força. Força é contração, não era vontade de fazer força. Força era o que eu sentia a cada contração, não era dor, era uma força gigantesca. Assim chegamos à maternidade, mais de uma hora depois, nesse sobe desce, deita e levanta, de sede e força. Paramos o carro no estacionamento errado, que ficava ao lado da maternidade. Vamos a pé mesmo. Contração no meio da rua, para, agacha, inspira-respira, continua. Chega na porta da maternidade, segurança do lado, outra contração. Agacha, fica de quatro na porta da maternidade, inspira-respira. O segurança oferece uma cadeira, não, vou andando.

E ai chega a parte chata da história, quando o sistema começa a te agredir. A tal maternidade que não faz parto normal, morre de medo de mulher parindo. Mulher vibrando agachada no meio da recepção não é o tipo de espetáculo que eles querem apresentar a seus clientes. Eles ficam em pânico, me levam pra sala de triagem. So-zi-nha. Não deixaram seu pai nem a Celine entrar. Eu ouvia a voz da Celine pedindo pra entrar e eles não deixando. A sala era minúscula e tinha um monte de gente lá dentro. Devia ter umas 5 ou 6 pessoas. Eu entrei, andando, pedindo pra ir ao banheiro. A enfermeira não queria deixar, mas eu insisti. Ela perguntou o que eu queria fazer, eu disse que não sabia. Ela ficou do meu lado e falou que eu não poderia fazer força. Ai eu tirei a calcinha, que a essa altura era puro sangue, e ela ficou em pânico. Fiz só xixi e me deitaram na maca. Deitar dói, lembra? Mas sabe o que dói mais? Quando você se deita, você se fragiliza e eles se sentem poderosos. Ai mandaram eu tirar brincos e a corrente com a medalha da sua avó. Eu me recusei, mas cedi. Isso também doeu. Ai veio o médico fazer o exame de toque, e doeu de novo. Doeu porque exames de toque geralmente doem. Doeu muito mais porque ele não esperou a contração passar para fazê-lo. Doeu porque ele continuou com as mãos lá mesmo depois de ter gritado, em pânico e para pânico geral, “dilatação total”. E eu gritei para ele tirar as mãos de lá. Eu era a própria força, lembra? Ele tirou na hora. Me transferiram de maca, me cobriram com um lençol às pressas e começaram a minha transferência para a LDR (labor delivery room), que também doeu. Eu cheguei lá sozinha, sem marido, sem doula. Fiquei um tempo sozinha, enquanto o sistema os segurava lá embaixo. E isso doeu em mim e doeu neles. Quando entrei na sala e me mudaram de maca novamente, a enfermeira que ali estava queria que eu estendesse o braço para que ela colocasse um acesso venoso. Na hora eu questionei para que e ela disse que era para colocar um soro, que era praxe do hospital. Eu me neguei e disse que ela teria que esperar a minha médica chegar e que ela só faria qualquer coisa comigo caso a minha médica solicitasse. Sobre o soro (de ocitocina): é uma prática absurda que as maternidades adotam como padrão e que leva a diversas outras intervenções desnecessárias e que em grande parte culminam com a intervenção final chamada cirurgia cesariana. No nosso caso era ainda mais absurdo pelo fato de já haver dilatação total, e mais ainda por ser quase impossível fazer uma parturiente ficar parada com uma contração atrás da outra. Bom, não teve soro, e logo depois chegaram seu pai e a Celine. Logo depois a nossa médica chegou, como por um milagre, já que o trânsito estava caótico. Ai trocaram as enfermeiras do hospital, e a enfermeira obstetra que ficou na sala não interferiu em nada.

Toda lembrança que eu tenho desde que entrei naquela sala é muito pouco palpável, eu já quase não existia mais. Ao mesmo tempo que eu me desfazia eu me refazia, era como se no meu corpo transitassem duas vias. Era como se ali dentro estivesse acontecendo uma mágica, como nos desenhos animados, quando aparece uma espiral de fumaça que envolve dos pés à cabeça, com estrelas e muitas cores em volta. Aos poucos toda aquela força, aquela potência toda das contrações foram se amansando, como se o rio tivesse enfim voltado para o seu leito. Eu quase o tempo todo apoiada nos meus joelhos e abraçada ao corpo do seu pai. Abraçada nele, que foi meu suporte. O suporte do meu corpo e o suporte da minha alma. Eu não ouvia nada, a sala estava em silêncio. E quando os meus olhos percorriam o espaço, via os olhos brilhantes e calmos daquelas duas mulheres que havíamos escolhidos para nos acompanhar nessa jornada. Olhos que diziam que estava tudo bem. Olhos que assistiam, com um amor, uma reverência e um respeito que eu nunca vou esquecer.

Lembro que comecei a ter vontade de fazer força, mas não lembro direito se eu fiz. Eu não consigo lembrar das sensações pelas quais o meu físico estava passando. Eu só lembro do que se passava no meu coração. Foi quando eu ouvi a EO da maternidade dizer que você não poderia nascer sem a médica neonatologista, que ainda não tinha chegado; que se ela não chegasse logo ela iria chamar o médico da maternidade. Foi ouvir isso que eu e você paramos, como se déssemos um pause no filme que estávamos assistindo. A pior coisa que poderia acontecer seria ter o atendimento feito pela pediatria do hospital: você passaria por todas aquelas intervenções que eram meu maior pesadelo. Mas nós estávamos afinadas, eu, você e o Universo. Nós sabíamos o que queríamos, o nosso pacto já havia sido feito. Eu lembro da porta se abrindo e da nossa pediatra entrando. O sorriso dela trouxe luz, a luz que iluminou o final do nosso trajeto. E eu sentei na banqueta e você veio, poucos minutos depois daquele facho de luz que faltava. Veio calmamente, como se já conhecesse o caminho, como quem sabe exatamente o que fazer. Eu respirava, puxava do ar a força que eu precisava para renascer e pela minha boca saíam os últimos vestígios do que eu havia sido até então. Eu lembro da vontade de fazer força, que não fui eu quem fiz, que meu corpo fez sozinho, como quem também sabia exatamente o que fazer. Eu não quis ver o espelho, eu não consegui tocar quando você coroou, a minha energia estava toda na minha respiração. E veio o círculo de fogo, a ardência. O ardor que chegou aos meus pés… eu sentia meus pés queimando, como se houvesse fogo dentro deles. Cabeça, ombros, tudo muito lentamente. Enquanto o seu corpo saía, tudo já era somente prazer. Você veio direto pro meu colo, e não há palavra no mundo que possa traduzir o que eu senti. Estou tentando traduzir isso, mas não dá. Pele, calor, cheiro… eu tinha em minhas mãos o que há de mais rico no mundo sensorial. Era como se eu tomasse nas mãos o seu coração pulsando e a sua alma. Era como se a minha alma finalmente encontrasse o lugar dela em mim. A experiência tátil de ter sua a pele na minha, o seu coração batendo com o meu, o meu calor se misturando com o seu. Foi como se naquele momento uma porta dentro de mim se abrisse, uma porta que abriu um mundo cheio de cor e de cheiro. Ah, seu cheiro! O cheiro doce do vérnix, que faz a gente ter vontade de lamber, que faz a gente entender que a expressão “lamber a cria” é mesmo literal. Os meus pés ainda queimavam e você chorou pouquinho, enquanto eu também chorei. E enquanto chorávamos, você agarrou o dedo do seu pai, que o tempo todo esteve ali, calmo, sendo o apoio que nós precisávamos para nascer. Você nasceu de olhos e coração abertos. Em poucos minutos você mamou, a gente ali mesmo na banqueta. Eu era a própria felicidade. Não havia sequer vestígio de dor. Períneo íntegro, alma e coração também. Senti alguma coisa e falei que tinha algo acontecendo lá embaixo. Estávamos todos apaixonados por você e tínhamos esquecido da placenta, que nasceu como você, como quem sabe o que fazer. Veio rápida e sem dor, com o estímulo da sua sucção. Só então seu pai cortou o cordão pelo qual ela te alimentou por nove meses. Ficamos na banqueta por uns 40 minutos, você mamando. As primeiras observações da pediatra foram feitas com você no meu colo, enquanto mamava. Só depois da primeira mamada é que você foi rapidamente examinada por ela ali mesmo na sala, na nossa presença, e voltou rapidinho pro meu colo. 14:39h, foi a hora que você nasceu, uma hora e quarenta minutos depois de termos entrado naquela sala. Pesou 3,700kg e mediu 51,5cm. Voltou pro meu peito e ali ficou por mais de duas horas. Nos separamos por pouco tempo, enquanto você passou pelo berçário e eu fui transferida para o quarto. Seu pai saiu um pouco antes, pois tinha que cuidar da internação. Quando cheguei no quarto, acompanhada o tempo todo pela Celine, seu pai já estava lá, quase maluco de ansiedade. Logo depois você chegou, e a partir desse momento não ficou mais longe de nós, passando grande parte do tempo no peito, exatamente no lugar onde você deveria ficar.

Passamos 48h na maternidade, que poderiam ter sido 24h se nós tivéssemos tido disposição para fazer o teste do pezinho fora. O teste foi o único tipo de intervenção que permitimos que fosse feita. Você só tomou banho no segundo dia, no balde, dentro do nosso quarto… você ficou tão relaxada que dormiu ali dentro do balde. A vitamina K foi feita via oral e repetida novamente uma semana depois. As vacinas foram feitas depois de 10 dias.

Um minuto após o seu nascimento, o meu corpo já estava recuperado. Não tive lacerações, não tomei anestesia, não havia pontos, cortes ou medicamentos. Havia muita energia, disposição, e um amor gigantesco e num estado de pureza que durou por muitos dias. Eu era a própria plenitude, na forma de altíssimas doses de ocitocina.

 

Dizem que agradecer é fazer a graça descer.

 

Toda a minha gratidão a você, Manu, filha minha, filha nossa, que com o seu amor e pelo seu amor tantas revoluções fez e tem feito na nossa vida. Você me trouxe o céu, um céu com tantas cores, com tantas possibilidades. Você é pura luz. Encheu a minha vida de sentido e de sorrisos, fez de mim uma pessoa melhor, mais honesta comigo mesma. Não há no mundo coisa melhor que o seu sorriso, que o seu cheiro, que o seu olhar brilhante. Eu te amo com todas as células do meu corpo. Eu vou te amar pra sempre.

 

Meu amor, meu companheiro, meu Má… A minha enorme gratidão por ter sido a calma no meio das minhas tempestades. Pelo seu apoio incondicional. Por não ter duvidado da nossa capacidade em nenhum momento sequer. Por ter confiado em mim. Por ter sido meu suporte e a minha fortaleza. Por ter me dado espaço. Pelo colo e pelos braços que me mantiveram enquanto eu permitia que as contrações trouxessem nossa pequena para nós. Por ter me dado a barriga pra morder. Por permitir que o Universo trouxesse toda essa luz para a nossa vida. Que continuemos a ter coragem para construir o nosso mundo cada vez com mais verdade, mas respeito, e ainda mais amor.

 

À minha mãe que olha por mim de onde estiver. Que guiou à mim e à Manu no caminho do renascimento e do nascimento; eu sei que você esteve ali. Que me amou tão abundantemente e me ensinou a assim amar. Que fez de mim o que hoje eu sou. Que me abastece de força só de lembrar do seu sorriso.

 

À minha irmã, que é um pedaço de mim e eu dela. Que permite que eu me lembre quem eu sou e de onde eu vim. Pelos cuidados, pelo carinho, pelas massagens, pela paciência infinita, por me conceder o espaço necessário para que eu renasça com muita generosidade. Eu te amo.

 

Às queridas mulheres que nos ajudaram a tecer a rede que sustentou um nascimento cheio de respeito e amor: Celine, Deborah e Evelin. A minha enorme e eterna gratidão por todo o carinho e cuidado que vocês tiveram com a minha família. Pela ajuda na construção de cada passo consciente. Pelo sorriso que iluminava. Pelo olhar de quem confia. Pela generosidade. Vocês são especiais!

 

A todas às mulheres da lista e dos grupos de apoio, que compartilham diariamente experiência, informação e apoio. A todas que compartilharam pela rede seus relatos de parto, relatos que foram os responsáveis para que eu descobrisse que poderia chegar até aqui. Vocês, todas, fazem uma enorme diferença. Vocês estão mudando o mundo, estão ajudando a construir um mundo melhor. Vocês ajudaram a mudar o MEU mundo. Gratidão.

 

E que a graça desça, em abundância, na vida de todos vocês.

 

Com amor,

Paula

_A_B_C_D_E_F_G004005006007

013008012014009