comecemos…

Bem vindos… a você e a mim. Estamos todos começando, você começa a ler e eu começo a reaprender a escrever. Já fui boa nisso, por muito tempo foi escrevendo que eu me relacionava melhor com o mundo. Mas o mundo girou, eu mudei, e mudei de novo, e de novo, e a engrenagem enferrujou. Ultimamente quando eu melhor escrevo é quando eu não posso escrever. Ah, se inventassem uma máquina que transcrevesse pensamentos!

Escrevo agora para minha filha, para que ela leia mais tarde essas páginas ilustradas sobre ela mesma, das coisas que talvez ela não consiga se lembrar. Escrevo para mim, para ajudar a me construir como pessoa nova que nasceu no dia em que eu pari. Escrevo para você, que está aqui pra se inspirar.

O mundo de um bebê que nasce cabe todinho dentro da sua mãe. Não só na sua barriga, que foi por um tempo seu abrigo, alimento e calor, mas esse mundo ocupa (e precisa) também de seu coração, dos seus olhos, das suas mãos, do colo e do abraço, da sua voz. Vai ser assim por um bom tempo. É no corpo de sua mãe e através dele que o bebê-pessoa se desenvolve. Ele precisa dessa proteção, pois não pode se proteger sozinho. E tem que ser a mãe, pois ali é que reside toda e qualquer relação de confiança que ele conhece. E todos sabemos, confiança se constrói, não é artigo que se encontra pronto na prateleira e nem pode ser decretado.

Quando Manu nasceu, foi para o meu colo que ela veio. Direto para o meu colo, sem alfândegas. Com os olhos bem abertos, ela me olhou, e nós já nos conhecíamos. E foi no meu colo que ela passou a grandíssima parte do seu tempo até então. Foi ali que começamos sua relação com o mundo aqui de fora: com o frio e o calor; com os cheiros; com a luz e a escuridão; vendo o sol e a chuva, pelos olhos e pela pele; ouvindo o barulho e o silêncio; observando o movimento e aprendendo a focar; se alimentando exclusivamente do meu leite, que era o SEU leite; ouvindo o meu coração. Ela precisava saber que podia confiar em mim para conseguir ser livre.

Assim começamos sua exploração pelo mundo, e o seu mundo começou em mim, e foi se ampliando… Foi pro chão, água, paredes, chegou ao teto. Campo, montanha, praia, cidade. O pássaro, a flor, a grama, o mar. Chegou aos sabores e texturas, que ela sente com a boca, os olhos e as mãos. Rolou, sentou, rastejou, engatinhou, levantou, andou. Quantos mundos formam o mundo de uma criança?

Para mostrar novos horizontes para ela, nós acampamos. Já era assim que viajávamos antes dela chegar, e é assim que queremos que ela comece a aprender a viajar. Por isso, Manu acampa desde que completou seu primeiro mês aqui do lado de fora. Por isso, Manu acampa sempre que completa mais um mês nesse nosso mundão de meu Deus. Celebramos sua vida mostrando-lhe, todos os meses, um novo horizonte. O trailer é sua segunda casa. As coisas tem o nosso cheiro e estaremos sempre em casa, não importa onde estivermos. A natureza está do lado de fora da porta e das janelas, basta abri-las que já chegamos lá. Na chuva ou no sol, frio ou calor. Assim é a vida, e é isso que queremos que ela saiba. Que é necessário cuidar da natureza para que ela continue lá. Que os nossos atos tem consequências e que somos os únicos responsáveis por eles. Que existem grandes amigos. Que você precisa respeitar o espaço do outro para ter seu espaço respeitado.

E assim vamos, tentando viver um dia de cada vez, com consciência que esse dia nunca mais vai voltar. No dificílimo exercício de estar presente no presente.

Sejam bem vindos à nossa bagunça!

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